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Na Imperatividade de Reconquistar Lisboa!

“Havia no meu tempo um rio chamado Tejo que se estendia ao Sol na linha do horizonte. Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia exatamente um espelho porque, do que sabia, só um espelho com isso se parecia.” (António Gedeão)

Sei bem ó cidade mágica que poder tens sobre os corações viajantes, que és bela e majestosa, ninguém o pode negar, porém não se negue igualmente quem são os autores da tua beleza: os portugueses. Samuel Bochart no século XVII, na sua galante descrição francesa, baseando a sua abordagem em leituras bíblicas, diria que o vocábulo pré-romano Olisipo, de significado “Porto Seguro” seria uma das primeiras designações aferidas a esta menina e moça. Que Lisboa transmite segurança, não há duvida, seja pelos seus habitantes «um povo de brancos costumes» na descrição de Oliveira Martins no seu Portugal Contemporâneo, seja pela sua localização na margem do grande espelho que é o soberano Tejo. Este sim é o único senhor de Lisboa que a comanda e que a pune.

Para tantos este é a inspiração dos poetas, o cantar das ninfas ou mesmo o porto do mundo, como tal, devem hoje os portugueses envergar tal herança, contudo que nunca se negue a um português o direito de desfrutar da sua cidade! Pois bem que se comece a olhar para este assunto com uma cortina crítica de ignorância.

Como portuguesa e como cidadã do mundo, tenho especial apreço em desfrutar das lindas paisagens que pertencem ao meu povo e ao mundo, sempre que o tempo me consente, gosto especialmente de deambular pela Baixa ou pela rua Augusta desfrutando de algo que me passa como banal, mas que acredito ser a essência portuguesa. Todos aqueles que amam o seu país sentem a sua edificação no mais ínfimo pormenor, e não se entre numa confusão entre amor e nacionalismo, que essa será uma matéria para outro artigo. Amor ao país pela aceitação das suas virtudes e defeitos ponto final. Numa dessas muitas tardes em que desfrutava do turbulento silêncio da Lisboa portuguesa, entrei numa das muitas lojas sentidamente lisboetas para consumir a nação! Sim isso mesmo, consumir a nação! Após ter escolhido aquilo que me levara a entrar neste estabelecimento dirigi-me ao balcão, qual é o meu espanto quando ao iniciar a conversa com o comerciante, o senhor me solicita que eu o aborde em inglês, na minha inocência assim o fiz tendo em mente que o senhor era estrangeiro ou que o estabelecimento fosse recente, mais uma vez a manifestação do português que acolhe e não renega. Porém precisamente no momento do pagamento, chega um sujeito perto do senhor comerciante e começa a falar português e este assim lhe retribui. Qual foi a minha indignação ao perceber que um português me tinha negado o direito de praticar o meu próprio vernáculo. Não! Não podemos ficar calados e participar no olvido da nossa própria cultura, não podemos ser multiculturalistas impingindo à nossa cultura mãe um ataque desta envergadura. Como diria Sócrates «não sou ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo», também eu me considero uma cidadã do mundo, como tal desprezo todo o processo que de si seja assimilacionista, que pressuponha a superioridade de uma cultura face à outra, devemos rejeitar estes movimentos e louvar o multiculturalismo, mas nunca permitir que a vontade de «vender a nação» nos impeça de consumi-la. No momento em que um povo deixa de consumir a nação, deixa também de a conhecer. Por exemplo quando passamos pela Assembleia da República, a bandeira hasteada não nos desperta o interesse, mas se esta não estiver hasteada, a nossa curiosidade desperta instantaneamente, assim é o nosso vernáculo, quando frequento os espaços emblemáticos e não se sente o português, mais ainda os portugueses optam por não falar sua língua mãe entre si, caímos no ridículo. Quando o debate com a nação, entre a nação e sobre a nação deixa de existir entramos numa zona perigosa. No dia em que paramos de desconfiar das nossas instituições/ elites ou que deixamos de ter voz nas suas atuações, a democracia não está a funcionar.

Como podem estar os lisboetas a ser continuamente afastados da sua cidade por não estarem providos da capacidade financeira que os turistas possuem? Como pode ser negado o direito de habitação a um português que dá o garante de ser inclino assíduo, perante um inclino ocasional que oferece o um pagamento mais rentável nas suas férias? Com podem ser retirados os elétricos, emblemáticos símbolos nacionais para serem substituídos por tuk tuks de diminutas capacidades? O apelo que faço não é que se renegue o turismo, muito pelo contrário, é um apelo de equação entre os cidadãos residentes e os visitantes, para que os lisboetas «recuperem a capacidade de intervenção sobre a sua própria cidade». Meus senhores, os turistas deslocam-se a Lisboa para consumir a nossa cultura, a cultura portuguesa, como tal, sejamos nós também orgulhosos consumidores daquilo que é português!


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