4º Congresso dos Jornalistas Portugueses
12 a 15 de Janeiro de 2017
12 – “Não abdicar do seu poder” Maria Flor Pedroso
O congresso começou com a sessão de abertura e com a intervenção de Maria Flor Pedroso, que refletiu acerca do peso da não comunicação, apresentando alguns números sobre a precariedade do exercício da profissão, tais como:
7/10 jornalistas já pensaram deixar a profissão
8/10 jornalistas têm formação
6/10 jornalistas ganham menos de 1000€
5/10 jornalistas não tem uma relação/não tem filhos
4/10 jornalistas têm medo de perder o emprego
1/10 tem mais de 55 anos
Estes números, segundo a mesma, traduzem uma redução da independência, do rigor e da isenção do serviço público que o jornalista efetua.
Concluiu a sua intervenção, dizendo que o jornalista deve interrogar sempre a realidade e não se deixar contaminar, pois é o responsável pela história do que vivemos atualmente. Referiu ainda que é necessário a viabilização económica das empresas do setor, bem como a afirmação da responsabilidade de cada um na sua redação.
Seguiu-se Sofia Branco, que refletiu também sobre a precariedade na profissão e como esta se reflete no papel que o jornalismo tem na democracia. Afirmou ainda que a situação precária da atividade profissional se reflete no condicionamento da diversidade de olhares nas redações, devido às agendas e aos despedimentos, o que também leva a um espírito crítico adormecido.
Reforçou que, em alguns casos, pertencer ao sindicato pode custar a profissão, apelando à união dos jornalistas, porque segundo a mesma, “a profissão é uma missão”. Diz ainda que “a sociedade não reflete sobre o jornalismo que tem, nem sobre o que quer ter”.
A presidente do sindicato dos jornalistas encerra a sua intervenção com uma previsão do futuro: “O futuro será o que quisermos porque não há jornalismos sem jornalistas.”.
O presidente da Casa de Imprensa, Goulart Machado foi o próximo a intervir e disse que 18 anos é muito tempo à espera de um congresso e que quase tudo mudou, no modo em que exercemos a nossa profissão. Referiu ainda que estamos na mais grave crise nas nossas situações profissionais e de que vivemos “na ilusão de que somos dispensáveis”.
Foi a vez de Mário Zambujal, que mencionou Mário Soares e o comparou com o atual presidente da república, Marcelo Rebelo de Sousa, presente nesse mesmo painel, afirmando que ambos são exemplos da defesa da liberdade de imprensa. Afirmou que “o jornalismo é um desafio”, na medida em que os jornalistas são as testemunhas das alterações nas inovações tecnológicas.
A palavra foi dada a Marcelo Rebelo de Sousa, que falou de vários aspetos relacionados com o jornalismo, desde a precariedade às más condições em que são feitos os estágios, que enfraquecem a missão dos jornalistas, revelando também uma preocupação em relação ao estatuto do jornalista.
O presidente da república reforça a ideia de que “a precariedade enfraqueceu a missão do jornalista” e que, apesar da afirmação e renovação do jornalismo, com o seu auge em 1998, com a euforia da expo e o início do domínio no digital, não houve um encontro dos profissionais do setor durante as alterações das duas décadas.
Marcelo falou ainda da imprensa local e regional e de como “morreram” e por fim, acabou a sua intervenção dizendo que o jornalismo não deve aceitar tudo o que é do momento, porque “sem jornalismo estável, não há jornalismo forte e independente, forte é independente”, crucial para o rejuvenescimento da democracia, segundo o mesmo.
Mais tarde teve lugar a conferência inaugural, com a presença de Cândida Pinto, jornalista da SIC e Michael Rezendes, jornalista norte americano, vencedor do prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003, pelo seu trabalho no “The Boston Globe”, que esteve na origem do filme “O Caso Spotlight”.
O orador destacou que o jornalismo é um componente importante na democracia, tanto que “o trabalho de um jornalista é o de descobrir a verdade”.
Rezendes foi estudante de literatura e foi a necessidade que fez com se tornasse jornalista e também o facto de gostar de política, como contou. Mais tarde, foi convidado para fazer parte do “The Boston Globe” e para a equipa Spotlight e passou a passou a falar do caso verídico que deu origem ao filme com o nome da equipa, e que retrata a primeira investigação jornalística a se tornar viral na internet, ao revelar o escândalo de abusos sexuais dentro da igreja católica.
Deu vários conselhos aos estudantes presentes no congresso, entre os quais:
Criar amizade com uma entidade publicadora/criar contactos.
Ser bom ouvinte, ter curiosidade nas pessoas e nas suas vidas.
Ouvir todos os rumores e apenas publicar o que conseguimos comprovar.
Provar que o que se escreve é verdade.
Nunca escrever sem ter documentos precisos e nunca confiar em informações anónimas.
Sair do cubículo e falar com as pessoas, estabelecer conexões pessoais com quem queremos obter informações, criar um ambiente íntimo, informal (ex: combinar café).
Criar um critério de seleção de histórias emblemático e tem de afetar muitas pessoas.
Concluiu, afirmando que as pessoas se tornaram céticas em relação ao que leem, em relação ao jornalismo e que para afirmar o jornalismo é necessário praticá-lo e não estudá-lo.
13 – “Será possível formar alguém de raiz?” Sandra Marinho
Nota: No segundo dia do congresso apenas foi possível assistir à segunda e à terceira sessões.
A segunda sessão teve como oradora convidada Sandra Marinho, professora auxiliar da Universidade do Minho e autora da tese “Jornalismo e Formação em Mudança”. A convidada, numa breve intervenção defendeu uma maior participação dos alunos e dos professores nas redações e a diferenciação das licenciaturas, com diferentes percursos, de forma a haver diferentes tipos de conhecimento numa redação.
De seguida, deu-se lugar a diversas comunicações, com destaque para a de Alfredo Maia, que tocou num ponto fulcral: “são as empresas que determinam quem entra e sai no regime da profissão e determinam o perfil dos jornalistas.”.
Procedeu-se então ao debate com o painel, sobre o tema “Ensino, acesso à profissão e formação profissional”, que se iniciou com a intervenção de Manuel Pinto. O catedrático da Universidade do Minho e antigo jornalista do Jornal de Notícias, afirmou que “aprende-se a fazer jornalismo nas redações” e defendeu diversos pontos entre os quais, maior regulamentação dos estágios profissionais, um outro tipo de contacto com o público, a adaptação às novas realidades tecnológicas e ainda que a academia e os jornalistas devem conversar.
Seguiu-se a vez de Deolinda Almeida, diretora do Cenjor, que afirmou que são os jornalistas que procuram formação, principalmente os desempregados e apelou aos profissionais que o façam de acordo com as necessidades que encontrem.
O último interveniente desta sessão foi Fábio Monteiro, colaborador do Expresso e vencedor do prémio Gazeta 2014. Afirmou que a experiência é mais importante que a formação e referiu que há um receio “em espalhar a realidade nos relatórios de estágio curricular”.
Ficou bem assente nesta sessão que os estágios curriculares e profissionais carecem de proteção a nível constitucional e de que é necessário reformular a formação profissional dos jornalistas em diversas áreas.
“Não há jornalismo sobre jornalismo, não nos conhecemos.” Jacinto Godinho
A terceira sessão teve como orador convidado Joaquim Fidalgo, jornalista, professor universitário e antigo provedor do Leitor do Público. “O jornalista tem der ser um bom profissional”, diz, reforçando que o jornalista deve ter sempre presente a diferença entre a ética e a deontologia para poder bem exercer a profissão.
Seguiu-se o debate com o painel, sobre o tema “Regulação, ética e deontologia”, iniciado com a intervenção de São José Almeida. A presidente do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas propôs que deveriam ser feitas alterações ao código deontológico do jornalista, visto que “Os jornalistas devem criticar o seu próprio trabalho”, diz a mesma. Além disso, diz ainda que “informação nem sempre é jornalismo, necessita de espírito crítico, transformação”.
Houve uma pausa no debate com o painel para diversas comunicações, com destaque para Otília Leitão, que falou sobre a cláusula de consciência do jornalista. Esta cláusula permite aos jornalistas dizer não a algo que seja contra as suas convicções e dignidade, o que pode levar a uma desvinculação do contrato laboral sem prejuízo para o mesmo.
A interveniente refere que a liberdade continua ameaçada na era digital, visto que é cada vez mais difícil dizer não na era da precariedade e que esta situação nos leva a sermos “transformados em operários de notícias”.
O debate foi retomado com a intervenção de Jacinto Godinho, membro da CCPJ, jornalista da RTP e professor universitário da FCSH-UNL. Este defende que cada órgão deve ter um código deontológico adequado à sua realidade e que o Estatuto do Jornalista deve ser mais conhecido, porque apesar de o código deontológico ter mais prestígio, o estatuto é lei.
Com o encerramento desta sessão, ocorreu o lançamento do livro “Tudo por uma Boa História”, com relatos de quarenta repórteres e apresentado por Joaquim Furtado.
14 – “Pior do que perder o emprego e o medo, é perder a honra e a dignidade” Rodrigo Cabrita
Com o fim da intervenção do orador convidado Miguel Crespo, que apresentou um inquérito feito aos jornalistas sobre as condições de trabalho, procedeu-se ao debate com o painel sobre o tema “Condições de trabalho dos jornalistas”, no qual se destacaram as intervenções de Sofia Branco e Rodrigo Cabrita.
A presidente do sindicato dos jornalistas, Sofia Branco, que já havia falado na precariedade na sessão de abertura do congresso, refere 1/3 a metade dos jornalistas estão sindicalizados e que parece haver receio em fazer parte do sindicato. Falou também da tentativa de negociar uma tabela salarial para os freelancers e diz ainda que não aceita “que quem gere as empresas noticiosas, divida para reinar”, talvez referindo-se à situação dos jornalistas a recibos verdes da RTP, pagos pela Direção de Compras.
Já Rodrigo Cabrita, fotojornalista freelancer, refere que “pior do que perder o emprego e o medo, é perder a honra e a dignidade”, referindo que o romantismo ainda tem de vencer o dramatismo, mesmo que as condições de trabalho não o permitam.
Ao meio dia iniciou-se a Mesa Redonda sobre “Novos Projetos”, moderada por José Alberto Carvalho, jornalista da TVI. O debate girou em torno da viabilidade económica dos novos projetos, dos formatos adotados e do feedback do público.
De destacar algumas citações de alguns membros do painel:
“Os nosso adversários são os algoritmos” – José Alberto Carvalho
“As crises são oportunidades e a desculpa para tudo, até na notícia” – José Manuel Fernandes (Observador)
“As histórias de cidade não estavam a ser bem contadas” – Samuel Alemão (O Corvo), referindo uma nova abordagem ao escrever notícias sobre a cidade de Lisboa.
“O jornalismo é um trabalho de paixão. A vida pode ser mais tranquila, mas também é menos apaixonante.” – Rute Sousa Vasco (Sapo 24)
“O jornalismo é uma missão, uma necessidade.” – Sofia da Palma Rodrigues (Magazine digital Divergente)
“A rádio passa para o online, alia a escrita ao radiofónico.” – Pedro Rios (Rádio Renascença), referindo-se à cada vez maior tendência das rádios de prestarem um serviço online, através de sites.
De mencionar ainda António Costa e o projeto ECO, um jornal digital totalmente direcionado para a economia e também Helena Geraldes e o projeto Wilder, revista online dedicada à natureza.
A quinta sessão iniciou-se perto das 14:30 com o tema “A viabilidade económica e os desafios do jornalismo”, com destaque para as intervenção de Madhav Chinnappa e Pedro Santos Guerreiro.
Madhav Chinnappa, Diretor of News & Publishers EMEA Strategic Relationships, Google, destaca o papel da Google em agregar notícias de diferentes órgãos de comunicação apresentando-os em simultâneo, ideia que surgiu após o ataque às Torres Gêmeas a 11 de setembro com a quantidade de informação a circular.
Pedro Santos Guerreiro, do Expresso, referiu que “se nos preocuparmos demasiado com a viabilidade económica, deixa de haver jornalismo” e que devem ser denunciadas as situações de plágio.
“Ser jornalista é saber chorar às vezes” Marta Caires
Pelas 17 horas deu-se iniciou-se início à sessão com o tema “O Jornalismo de proximidade e a profissão fora dos grandes centros”, com destaque para as intervenções de Pedro Jerónimo e de Marta Caires.
Pedro Jerónimo, doutorado em Informação em Plataformas Digitais, reflete acerca do estado do jornalismo regional, referindo vários aspetos entre os quais, a cada vez maior profissionalização que substituiu o amadorismo, a precariedade que se mantém, a demasiada proximidade às elites locais, o difícil acesso às fontes estatais e públicas e a competição com novos atores. Afirma ainda que existem novas alterações, devido a novos meios, como a internet, que dão visibilidade ao jornalismo regional, mas online.
Marta Caires, jornalista madeirense, colabora do Expresso, falou um pouco da sua experiência na profissão, dando o exemplo da noticiabilidade dos incêndios na ilha da Madeira, no ano passado para dizer que “Quando está a acontecer, também te está a acontecer, ser jornalista é saber chorar às vezes.”, referindo de estar a viver os acontecimentos que narrava, bem como os de conhecidos com quem se encontrava. Defendeu maior visibilidade aos órgãos de comunicação social regionais “A Madeira também é Portugal”.
Foi ainda lamentado pelo painel e pela comissão organizadora do congresso, o facto de estarem poucos jornalistas representantes das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, apesar dos esforços feitos para que tal fosse possível.
No fim do penúltimo dia do congresso foi lançado o livro “Que número é este? Um guia sobre estatísticas para jornalistas”, escrito por Ricardo Garcia, Maria João Valente Rosa e Luísa Barbosa, com apresentação de Helena Garrido.
15 – “Tratar da liberdade nos nossos dias e no futuro, cabe a todos nós.” Américo Aguiar
Nota: No último dia de congresso apenas foi possível assistir à “Apresentação, discussão e votação das conclusões e propostas ao congresso” e ao “Debate de encerramento: E agora?”.
Perto das 14:30 horas do último dia do congresso teve lugar a apresentação, discussão e votação das conclusões e propostas ao congresso, com a moderação de Maria Flor Pedroso, e da comissão organizadora do congresso, que após longas horas aprovou a resolução final deste congresso.
Por fim, chegou o último momento deste congresso, o debate de encerramento, com o tema “E agora?”, que contou com diversas personalidades, que refletiram sobre o caminho a seguir depois deste congresso. De destacar algumas citações deste painel:
“Sobre o jornalismo devem decidir os jornalistas.”, disse Sofia Branco, defendendo que os jornalistas é que devem eleger os cargos da ERC e não o governo.
“O jornalismo está no eixo do conhecimento.” – Luís Filipe Castro Mendes, Ministro da Cultura
“O jornalismo é produzido para quem nos lê, para quem nos ouve e não para outros jornalistas.” – Francisco Pinto Balsemão, Imprensa
“Tratar da liberdade nos nossos dias e no futuro, cabe a todos nós.” – Américo Aguiar, Rádio Renascença
Dado por encerrado este congresso, foi demonstrado que a precariedade afeta a qualidade do jornalismo e que há ainda um longo percurso a percorrer, tanto em matéria legislativa como deontológica. E fica o desejo de muitos de que não sejam precisos tantos anos para que haja um quinto congresso dos jornalistas portugueses.